domingo, 24 de fevereiro de 2008

Comunicação Mediada por Computador, e comunidades virtuais. Um novo campo e velhas questões.
Uma abordagem teórica


A convergência entre os computadores e as tecnologias de comunicação não se tem limitado a criar um novo meio de disponibilizar informação, tem também sido propiciador de comunicação e convergência de caracter social “a internet oferece-nos a possibilidade de comunicar com milhões de pessoas,seja na modalidade de um para um ou de um para muitos”[1] esta nova forma de interagir e comunicar, designada por CMC ou comunicação mediada por computador tem levantado às ciências sociais uma série de questões pelo facto de não estarmos perante espaços físicos delimitados geograficamente, noções como distancia tornam-se desprovidas de significado, e a aplicação de conceitos teóricos como o de comunidade, repensadas, de facto se tivermos em conta a definição de Tönnies a comunidade é usada como oposição ás sociedades modernas, no sentido de oposição, Tradição e modernidade, “Concebido como ser ou coisa actuando coesamente para dentro e para fora, chama-se uma ligação. A própria relação e bem assim a ligação, compreende-se ou como vida real e orgânica – é esta a essência da comunidade – ou para a construção ideal e mecânica – é este o conceito de sociedade.”[2] comunidade (Gemeinschaft) e a sociedade (Gesellschaft), “Tonnies construiu uma oposição elementar na qual o próprio conceito de sociedade é identificado com a modernidade. A sociedade é complexa, racional, ela comporta um alto grau de divisão do trabalho, é extensa, impõe relações formalizadas e contratuais, compreende um espaço profano, classes sociais... enquanto que a comunidade é caracterizada pela simplicidade, pela fraca divisão do trabalho, por um pensamento não científico, «mágico», por uma extensão limitada, por relações cara a cara, por ordens e por castas, por uma dominação do sagrado...”[3] de facto o conceito de comunidade tem sido alvo de discussões teóricas na sua aplicação, neste sentido Castells refere “ ... o surgimento de novos suportes tecnológicos para a sociabilidade, que eram diferentes mas não por isso inferiores, às formas anteriores de interacção social..., com fortes conotações que o acompanham, confundia diversas formas de relação social, e provocou a discussão ideológica entre os nostálgicos da velha comunidade, espacialmente limitada, e os entusiastas partidários das comunidades escolhidas, proporcionadas pela internet. De facto para os sociólogos urbanos, esta é uma discussão que vem de longe e que não fez outra coisa senão reproduzir os debates clássicos entre aqueles que viam o processo de urbanização como o desaparecimento das formas de vida comunitárias... e aqueles que identificavam a cidade com a libertação das pessoas das tradicionais formas de controlo social”[4] neste sentido novos conceitos como comunidade virtual emergem no campo das ciências sociais, Castells afirma que as mesmas “são comunidades, mas não são físicas, e não seguem os mesmo modelos de comunicação e interacção das comunidades físicas. Mas não são irreais, funcionam num plano diferente da realidade. São redes sociais interpessoais, na sua maioria baseadas em laços fracos, altamente diversificadas e especializadas, aptas a gerar reciprocidade e apoio através das dinâmicas de interacção sustentada”[5] Casttels vai ainda mais longe apontando para uma redefinição de comunidade “...para compreender as novas formas de interacção social na Era da internet consista em construir uma redefinição da comunidade, retirando transcendência à sua componente cultural e dando ênfase à função de apoio que cumpre para indivíduos e famílias, para não limitar a sua existência social a uma única modalidade de acção material”[6] no entanto se é pelas bases clássicas das teorias sociais, que os nostálgicos da velha comunidade procuram os seus argumentos, também é nos clássicos que se encontra a abertura necessária para este conceito de comunidade Max Weber ressalva "O conceito de comunidade é mantido aqui deliberadamente vago e consequentemente inclui um grupo muito heterogéneo de fenómenos”[7].
Mas será correcto falarmos apenas num tipo único de comunidades do virtual? Gustavo Cardoso diz-nos que não, e apresenta dois tipos de comunidade presentes no virtual, as comunidades virtuais propriamente ditas, e as comunidades online, “Embora ambas existam na internet devemos estabelecer designações diferentes para cada tipo. Quando nos referimos a comunidades online partimos do princípio que estamos a recriar num novo espaço – a internet – uma representação de um espaço geográfico preexistente fora do mundo digital. Um espaço sem a dimensão e características do original em que se procura recriar um determinado local e as experiências aí vividas. Normalmente o exemplo apontado é o uso, pelos munícipes, das redes cívicas de informação – como no caso da cidade italiana de Bolonha ou das cidades participantes no programa das cidades digitais. Quanto ás denominadas comunidades virtuais, a expressão é utilizada para caracterizar a formação de comunidades na internet sem correspondência com um espaço físico preexistente. A comunidade virtual é, assim, o fruto da criação de pontos de encontro que se destinam a trazer, até um mesmo ponto da internet, todos aqueles que partilham um conjunto de interesses mas que, pelo afastamento geográfico ou outros constrangimentos, não poderiam fazê-lo sem ser nesta rede”[8].
Apesar de tudo nem todas as CMC podem ou devem ser vistas como comunidades, Gustavo Cardoso refere que com base em “Estudos realizados em Portugal....indiciam que uma grande parte das formas de associação ocorridas na internet se apresenta menos estruturada e temporária, tendo como principal objectivo conhecer pessoas com interesses similares para com elas interagir, e não a manutenção de comunidades assentes em fortes laços de pertença”[9], importa-nos então definir fronteiras que nos permitam fazer a distinção entre a simples CMC e comunidades virtuais, Quentin Jones na sua tese de Doutoramento 'The Boundaries of Virtual-Communities' associa as comunidades virtuais a virtual settlements e estabelece algumas fronteiras.
“For a cyber-place with associated group-CMC to be labeled as a virtual settlement it is necessary for it to meet a minimum set of conditions. These are: (1) a minimum level of interactivity; (2) a variety of communicators; (3) a minimum level of sustained membership; and (4) a virtual common-public-space where a significant portion of interactive group-CMCs occur. The notion of interactivity will be shown to be central to virtual settlements. Further, it will be shown that virtual settlements can be defined as a cyber-place that is symbolically delineated by topic of interest and within which a significant proportion of interrelated interactive group-CMC occurs. It also follows that the existence of a virtual settlement demonstrates the existence of an associated virtual community”[10]
Ou seja um nível mínimo de interactividade, uma variedade de comunicadores condição associada á primeira característica, um nível mínimo de pertença sustentável, um espaço virtual publico comum onde a CMC ocorre, a noção de interactividade vai-se mostrar fulcral demonstrando que os Virtual settlements podem ser definidos como ciber-lugares que é simbolicamente delineado por um tópico de interesse no qual uma porção significativa de grupos de CMC se relacionam, neste encadeamento a existência de um virtual settlement demonstra a presença de um comunidade virtual associada.
O conceito de Virtual settlement é de difícil tradução literária dado não existir na língua portuguesa um termo que realmente suporte o conteúdo da palavra settlement pois a sua conotação difere dentro de contextos, Quentin Jones no entanto define-a em termos que possibilitam uma compreensão da mesma “An IRC-server containing hundreds of unrelated channels would also not indicate the existence of a single virtual community for exactly the same reason, although a single channel or a small collection of channels could”[11], ou seja um servidor de IRC contendo milhares de canais que não possuem relações entre si, não demonstra a existência de uma comunidade virtual, embora um canal ou um pequeno conjunto de canais possa demonstrar, isto significa que podemos compreender por exemplo um servidor de IRC como um espaço virtual publico comum e um canal ou o conjunto de pequenos canais que possuam as características anteriormente citadas, um nível mínimo de interactividade, uma variedade de comunicadores condição associada á primeira característica, um nível mínimo de pertença sustentável, delineados por tópicos de interesse comuns, então teremos os denominados virtual settlements onde as comunidades virtuais estão presentes.


[1] Cardoso, Gustavo. Contributos para uma sociologia do ciberespaço.disponivel em http://ciberfaces.iscte.pt/pt/documentos/sociociber/index.html <19-12-2006>
[2] Tönnies, Ferdinand. In M. Braga da Cruz, Teorias sociológicas os fundadores e os clássicos (antologia de textos), 4º ed, Lisboa Gulbenkian, 2004, p 511
[3] Elie Ghanem, Arca pedagogia, DUBET, François. A idéia de sociedade. In: --------. Sociologia da experiência. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. p. 41-50 (A sociedade é identificada com a modernidade; A sociedade é um estado nacional; A sociedade é um sistema; A sociedade é um conflito regulado) disponivel em http://pedagogia.incubadora.fapesp.br/portal/ <14-11-2006>
[4] Casttels, Manuel. Comunidades, redes e transformação da sociabilidade. In A galaxia internet 1ºed.Lisboa Gulbenkian, 2004, p 155

[5] Casttels, Manuel. A sociedade interactiva. In A sociedade em rede 2º ed. Lisboa Gulbenkian, 2005, p.471
[6] Casttels, Manuel. Comunidades, redes e transformação da sociabilidade. In A galaxia internet 1ºed.Lisboa Gulbenkian, 2004, p 157

[7] WEBER, Max. Conceitos Básicos de Sociologia. Editora Moraes. São Paulo,1987.p 78
[8] Cardoso, Gustavo. Internet. Lisboa Quimera, 2001. p 87, 88
[9] Idem, p 85
[10] Jones, Quentin. Virtual-Communities, Virtual Settlements & Cyber-Archaeology:A Theoretical Outline. Disponivel em http://jcmc.indiana.edu/vol3/issue3/jones.html#Homans,. , <07-01-2007>


[11] idem
Bibliografia de referência
Cardoso, Gustavo. Contributos para uma sociologia do ciberespaço disponivel em http://ciberfaces.iscte.pt/pt/documentos/sociociber/index.html <19-12-2006>
Casttels, Manuel. A sociedade interactiva. In A sociedade em rede 2º ed. Lisboa Gulbenkian, 2005.
Casttels, Manuel. Comunidades, redes e transformação da sociabilidade. In A galaxia internet 1ºed.Lisboa Gulbenkian, 2004.
WEBER, Max. Conceitos Básicos de Sociologia. Editora Moraes. São Paulo,1987.
Cardoso, Gustavo. Internet. Lisboa Quimera, 2001.
Jones, Quentin. Virtual-Communities, Virtual Settlements & Cyber-Archaeology:A Theoretical Outline. Disponivel em http://jcmc.indiana.edu/vol3/issue3/jones.html#Homans,%20G.C., <07-01-2007>
Gustavo cardoso, António Firmino da Costa, Cristina palma Conceição, Maria do carmo Gomes. A sociedade em rede em portugal1º ed, Porto, Campo das Letras, 2005.
Tönnies, Ferdinand. In M. Braga da Cruz, Teorias sociológicas os fundadores e os clássicos (antologia de textos), 4º ed, Lisboa Gulbenkian, 2004.
Elie Ghanem, Arca pedagogia, DUBET, François. A idéia de sociedade. In: --------. Sociologia da experiência. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. p. 41-50 (A sociedade é identificada com a modernidade; A sociedade é um estado nacional; A sociedade é um sistema; A sociedade é um conflito regulado) disponivel em http://pedagogia.incubadora.fapesp.br/portal/ <14-11-2006>

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